sexta-feira, 2 de abril de 2010

Anjos, demônios, possessões e apocalipse - As novas vertentes do catolicismo

No dia 25 de março de 2010, eu entrevistei o padre Sebastião Benito Quaglio, pároco da Igreja Santíssima Virgem, em São Bernardo do Campo (OFM – Ordem dos Franciscanos Menores). Ele me mostrou que vários conceitos que temos sobre a igreja católica são distorcidos. Mas o que mais me impressionou, foi que ele afirma que a bíblia é recheada de suposições e incertezas. Confiram a entrevista abaixo.

Dooll: No ponto de vista do catolicismo, o que ou quem é Deus?

Pe. Sebastião: Não sei. Deus é algo ou alguém, cuja essência, substância ou o quer lá o que seja, é incognoscível. Sempre me apoiei na Teologia Apofática(1), me cheira melhor, ou seja, define-se o que Deus não é. Não ha juízos “achismos” e assim por diante.


Dooll: O que são demônios? De onde vêem esses seres? Foram criados por alguém?

Pe. Sebastião: Hoje caro, homens minimamente racionais não mais pronunciam tal termo (risos). isso e coisa da época medieval. Problemática de Tomas de Aquino(2).


Dooll: Então não existem demônios?

Pe. Sebastião: Nem Deus sabemos se existe! Calcule a afirmação com relação aos demônios.


Dooll: Em especifico, como o catolicismo vê a criação de várias religiões dia após outro?

Pe. Sebastião: Veja caro, em relação às outras religiões - leia-se aqui hinduísmo, budismo, judaísmo, zoroastrismo, etc. –, o catolicismo também é uma "invenção". Hoje, fala-se em Paradigma Teocêntrico(3), não mais em Cristocêntrico(4), ou seja, segundo a perspectiva da teologia das religiões, todas as manifestações reúnem condições para que seus respectivos adeptos encontrem Deus. Obviamente, a tradição vaticana não "aprova" essa idéia... nem pode (risos)!


Dooll: No espiritismo existe um termo para alguns espíritos obcessores que são chamados de almas vampiricas. No catolicismo existe algo que retrata o mito vampiresco?

Pe. Sebastião: Mito vampiresco? Na visão de alguns católicos poderia ser o Nietzsche5 talvez, ou Schopenhauer,5 ou quem sabe o velho Marx(5)! Em verdade eu nunca ouvi falar disso!


Dooll: Deus sendo o criador do amor, como o catolicismo deve deixar implícito de modo não cruel, o castigo divino do juízo final?

Pe. Sebastião: Deus não é o "criador" do amor, Ele é o próprio. Ha um problema teológico na tua afirmação. Enfim, tomando essa proposição por principio, é levando em conta a condenação do "Juízo Final". Alguns argumentariam que, tendo sacrificado seu filho em virtude da redenção do gênero humano, a condenação seria uma "opção" do sujeito em questão, algo relacionado com a boa ou a má utilização de seu livre arbítrio. O catolicismo sempre deixa implícito que o juízo acontecerá então... Não só o catolicismo, mas as vertentes cristas de cunho protestante também. Segundo Agostinho, por exemplo, o mal não existe em si, e apenas a "ausência" do bem, assim, quem esta em "erro" está distante da face de Deus, por sua conta e risco (risos)!


Dooll: Deus permanece biologicamente inexplicável. O catolicismo acredita que um dia será?

Pe. Sebastião: Só se a ciência assim o fizer e, as únicas esferas de conhecimento que reúne condições para tal são a teologia e/ou a filosofia. Mas elas permanecem no âmbito das especulações. Ademais, segundo Kant, Deus não e passível de demonstração positiva. Pela razão pura, é impossível "provarmos" Deus. Deus é artigo de fé, apenas isso.


Dooll: Como o catolicismo explica os efeitos paranormais e mediúnicos?

Pe. Sebastião: Não os conheço. Nunca presenciei algo semelhante. Nesse caso, seria mais interessante perguntares a um espírita, o tradicionalismo católico os interpretara como uma espécie de manifestação demoníaca, mas como vimos, esse assunto foi encerrado na era medieval, ou seja, fica elas por elas (risos)!


Dooll: Todos estão sujeitos a possessão. Como o catolicismo explica o porquê ocorre somente em alguns casos específicos?

Pe. Sebastião: Os demonologistas de plantão, dês das décadas de 70 e 80 não mais trabalham com exorcismos. A questão acerca do demônio, sempre foi evitada dentro da igreja


Dooll: Sério? Não imaginava isso!

Pe. Sebastião: São coisas totalmente ultrapassadas. A teologia superou a esfera dos mitos ha 500 anos, ontologicamente(6) falando. É outro ponto que a igreja não mais discute.


Dooll: O anticristo já está entre nós?

Pe. Sebastião: A meu ver sim, na forma do neoliberalismo.


Dooll: Anjos: eles existem?

Pe. Sebastião: Segundo a perspectiva bíblica sim. Ate mesmo por que se não existissem, o que seria da Gehenna(7)?


Dooll: Segundo a bíblia, o apocalipse retrata as sete igrejas que reapareceram em locais distintos, porém todos estão no oriente. Tomando em base que as forças maiores que prejudicam a humanidade e o planeta não estão do lado do oriente, isso ainda é pregado a risca, ou hoje é visto como algo simbólico?

Pe. Sebastião: Temos dois pontos nessa questão hoje, quem prejudica a existência da humanidade e ela própria. Temos "focos" perigosos brotando de ambos os hemisférios, seja aqui, nos EUA, no oriente, na China, na Coréia do Norte, o Irã, e assim sucessivamente. Todos em potencial, evidentemente. Mas tentando responder a questão, o livro do apocalipse, pelo fato de ser recheado de símbolos, é visto atualmente sob a luz de forte hermenêutica(8), isto é, é preciso muito cuidado para interpretá-lo. Segui-lo ao pé da letra significaria o maior dos erros. Alias, a bíblia como um todo. Então, pode-se afirmar que as sete igrejas (o numero sete esta ligado a perfeição nessa perspectiva) é algo simbólico, tal como o número 666. Como decifrá-lo? Uns dizem ser uma instituição, outros uma pessoa física. São somente suposições, nada mais.



***

(1) Teologia Apofática: aquela que explica Deus negando. Ex.: Deus não é humano, Deus não é limitado etc.

(2) Problemática de Tomas de Aquino: conflito entre a fé e a razão.

(3) teocentrico: que provém do teocentrismo. Deus como o centro das coisas.

(4) Cristocêntrico: é a continuação do Ministério do Senhor Jesus Cristo,

(5) Nietzsche, Schopenhauer e Marx: folósofos alemães.

(6) Ontologicamente: trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres.

(7) Gehenna: forma que Jesus trata por diversas vezes na bíblia o apocalipse.

(8) Hermenêutica: é um ramo da filosofia que se debate com a compreensão humana e a interpretação de textos escritos.

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